Há vinte anos o mundo despedia-se da década de 80. Dez anos de descoberta, evolução, libertação, mas também de ruptura, caos, morte. Eu, nos meus esplendorosos dezoito anos, aguardava ainda em Dezembro, o início do meu percurso na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que haveria de chegar apenas em Janeiro de 1990. Porque nesse longínquo ano de 1989 tive as férias mais longas da história da Humanidade (acho eu). Após a atribulada implementação de uma PGA (Prova Global de Acesso) que ninguém compreendia, ponto nevrálgico de uma reforma educativa que nada ficava a dever às Marias de Lurdes deste mundo, todos os futuros caloiros universitários do ano lectivo 89-90 tiveram direito a seis meses de boa vida. Devo ter feito tão pouca coisa de relevante durante esses seis meses que não me lembro de nada. Calculo que a minha vida se dividisse entre sair com os amigos até ao Brasília ou ao Dallas (os dois centros comerciais que a malta jovem frequentava), cuja distância permitia ir a pé, e apanhar o autocarro até às esplanadas da Foz, onde podíamos alimentar a vista com as catraias da Foz (o pessoal desta zona do Porto sempre primou pela higiénica distinção de se cumprimentar apenas com um beijo, o que me deixava fascinado). Ao fim-de-semana, as saídas à noite tinham como destinos mais que prováveis o Swing ou a Indústria. Eram os tempos do girl-hunting (sim, eu sei que a expressão é infeliz), em que uns tinham mais sorte do que outros. Eu, que não era nenhum Tom Cruise ou Richard Gere, não me posso queixar. É claro que havia sempre o lado da música, dos concertos dos Xutos, das tardes em casa de amigos a ouvir o novo dos Jesus And Mary Chain ou a reflectir dolorosamente sobre o razão do fim dos The Smiths. Mas o mais importante eram mesmo as miúdas e ai daquele que criticar opção!
O motivo deste texto tem também a ver com uma revista que guardei no dia 30 de Dezembro de 1989 - a Revista do Expresso. Nessa edição, a revista dedicou todas as suas páginas à década de 80. O título é "Para acabar de vez com os anos 80". Já não sei porquê, mas na altura achei engraçado guardá-la, sem sonhar sequer que, vinte anos volvidos, estaria a escrever sobre ela na Internet (hã?), mais concretamente num blogue (o quê?).
A capa da revista mostra um desenho do caricaturista António, que assina António 89 Dali. Percebe-se porquê (clicar na imagem para ver em pormenor). Logo na página 3 surge o texto "A década da grande promessa", da responsabilidade do então director-adjunto Joaquim Vieira. É um texto que digitalizei e publico aqui porque merece ser lido pelo seu testemunho de época. (Gostava de ter tempo e, já agora, um scanner do tamanho da revista que me permitisse digitalizá-la toda, mas tal não é possível.) Do ponto de vista mundial, Joaquim Vieira ocupa as páginas seguintes com aqueles que, na sua opinião, são as "catorze personagens da década". E lá estão os seguintes nomes, acompanhados de imagem, citação e texto do jornalista: Mikhail Gorbatchov, Deng Xiaoping, Lech Walesa, Andrei Sakharov, João Paulo II, Akio Morita, Margaret Thatcher, François Miterrand, Ronald Reagan, Muammar Kadhafy, Nelson Mandela, Yasser Arafat, Fidel Castro e o Ayatollah Ruhollah Khomeiny.
Segue-se, talvez, a secção mais divertida da revista. Ao longo de seis páginas, com o título "Flesh/Flash", Clara Ferreira Alves, Luís Coelho, Paulo Varela Gomes, Abílio Leitão, Alexandre Melo e Inês Pedrosa apresentam uma galáxia de ícones culturais da década de 80, da ciência à moda, passando pela música, pelo cinema, etc..., com imagens e comentários que traçam o perfil de toda uma década.
Nas páginas 16 e 17, a revista apresenta o artigo "Medos", não assinado, através do qual nos são apresentadas as grandes fobias (ou paranóias, se quisermos) daquele tempo: Aditivos, Cidade, Clima, Crash, Droga, Nuclear, Sexo, Sida, Solidão, Tabaco, Terceiro Mundo, e Terrorismo.
A partir daqui, e após um artigo de Eduardo Lourenço intitulado "A década mágica (do Afeganistão à anti-Comuna)", a edição apresenta a visão que várias vertentes da sociedade e do conhecimento tiveram da década que então finalizava. Em cada texto, há uma frase em detaque numa caixinha à parte. Não resisto a transcrever algumas, e a respectiva secção (eo nome do autor):
ECONOMIA INTERNACIONAL (Clara Teixeira): "Os japoneses não resistiram ao convite e lançaram-se em autênticos raids sobre empresas norte-americanas."
CIÊNCIA (José Mariano Gago): "Implícita na ciência está a esperança de exorcizar a morte, individual e planetária, através da busca do princípio de tudo."
POLÍTICA (José António Saraiva e Fernando Madrinha): Esta secção é dedicada à política portuguesa e não qualquer frase em destaque. Neste artigo, faz-se naturalmente o retrato político nacional e há nomes que não podem deixar de aparecer: Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Ramalho Eanes, Francisco Balsemão, Mário Soares, Mota Pinto, Hermínio Martinho, Vítor Constâncio, Cavaco Silva, Álvaro Cunhal e Jorge Sampaio.
FILOSOFIA (Manuel Maria Carrilho): "O conceito não passa de uma palavra a funcionar no âmbito de um determindo jogo de linguagem."
FILMES (João Lopes): "A televisão irrompeu no terreno do cinema, disputando-lhe a condição de grande imaginário colectivo."
MEDIA (Francisco Rui Cádima): "São os media que criam os acontecimentos, são eles que regulam a ordem do mundo: uma ordem de restos e simulacros."
ARQUITECTURA (João Vieira Caldas e Paulo Varela Gomes): "Os grandes encomendadores são ignorantes, apáticos ou pouco inteligentes."
Pelo meio, entre outros artigos, pode ler-se um texto interessantíssimo, da responsabilidade de António Guerreiro e Paulo Varela Gomes, com o título "Ideias Feitas", que parte dos conceitos-chave à volta dos quais a década de 80 se desenvolveu: Anos 80 (a expressão em si), Comunicação, Diferença, Ecologia, Fim da História, Fraco (Pensamento), Futuro, Imagem, Liberalismo, Optimismo, Pós e Neo, Saúde, Sucesso, Tecnologia.
E a música? Deixei a secção que diz mais a este blogue para o fim. Os responsáveis pela mesma são João Lisboa e Ricardo Saló, que apresentam o resumo da década através de um jogo intitulado "O Caminho da Glória", cuja estratégia é apresentada pelos dois jornalistas da seguinte forma: "(...) pilhar, sem cerimónia, os procedimentos e objectivos de dois jogos de tabuleiro - "glória" e "trivial pursuit" - e, depois de devidamente desfigurados, ensaiar sobre eles o "plano Frankenstein" de enxerto-e-choque-eléctrico". Podem verificar em pormenor clicando nas imagens e jogar, porque não, com os amigos ou família. Como se fazia nos anos 80.
Este é o último texto do ano, aqui no QA80. Desejo-vos um óptimo 2010 e, porque não, uma década fantástica (ou pelo menos melhor do que a que agora termina).
O motivo deste texto tem também a ver com uma revista que guardei no dia 30 de Dezembro de 1989 - a Revista do Expresso. Nessa edição, a revista dedicou todas as suas páginas à década de 80. O título é "Para acabar de vez com os anos 80". Já não sei porquê, mas na altura achei engraçado guardá-la, sem sonhar sequer que, vinte anos volvidos, estaria a escrever sobre ela na Internet (hã?), mais concretamente num blogue (o quê?).
A capa da revista mostra um desenho do caricaturista António, que assina António 89 Dali. Percebe-se porquê (clicar na imagem para ver em pormenor). Logo na página 3 surge o texto "A década da grande promessa", da responsabilidade do então director-adjunto Joaquim Vieira. É um texto que digitalizei e publico aqui porque merece ser lido pelo seu testemunho de época. (Gostava de ter tempo e, já agora, um scanner do tamanho da revista que me permitisse digitalizá-la toda, mas tal não é possível.) Do ponto de vista mundial, Joaquim Vieira ocupa as páginas seguintes com aqueles que, na sua opinião, são as "catorze personagens da década". E lá estão os seguintes nomes, acompanhados de imagem, citação e texto do jornalista: Mikhail Gorbatchov, Deng Xiaoping, Lech Walesa, Andrei Sakharov, João Paulo II, Akio Morita, Margaret Thatcher, François Miterrand, Ronald Reagan, Muammar Kadhafy, Nelson Mandela, Yasser Arafat, Fidel Castro e o Ayatollah Ruhollah Khomeiny.
Segue-se, talvez, a secção mais divertida da revista. Ao longo de seis páginas, com o título "Flesh/Flash", Clara Ferreira Alves, Luís Coelho, Paulo Varela Gomes, Abílio Leitão, Alexandre Melo e Inês Pedrosa apresentam uma galáxia de ícones culturais da década de 80, da ciência à moda, passando pela música, pelo cinema, etc..., com imagens e comentários que traçam o perfil de toda uma década.
Nas páginas 16 e 17, a revista apresenta o artigo "Medos", não assinado, através do qual nos são apresentadas as grandes fobias (ou paranóias, se quisermos) daquele tempo: Aditivos, Cidade, Clima, Crash, Droga, Nuclear, Sexo, Sida, Solidão, Tabaco, Terceiro Mundo, e Terrorismo.
A partir daqui, e após um artigo de Eduardo Lourenço intitulado "A década mágica (do Afeganistão à anti-Comuna)", a edição apresenta a visão que várias vertentes da sociedade e do conhecimento tiveram da década que então finalizava. Em cada texto, há uma frase em detaque numa caixinha à parte. Não resisto a transcrever algumas, e a respectiva secção (eo nome do autor):
ECONOMIA INTERNACIONAL (Clara Teixeira): "Os japoneses não resistiram ao convite e lançaram-se em autênticos raids sobre empresas norte-americanas."
CIÊNCIA (José Mariano Gago): "Implícita na ciência está a esperança de exorcizar a morte, individual e planetária, através da busca do princípio de tudo."
POLÍTICA (José António Saraiva e Fernando Madrinha): Esta secção é dedicada à política portuguesa e não qualquer frase em destaque. Neste artigo, faz-se naturalmente o retrato político nacional e há nomes que não podem deixar de aparecer: Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Ramalho Eanes, Francisco Balsemão, Mário Soares, Mota Pinto, Hermínio Martinho, Vítor Constâncio, Cavaco Silva, Álvaro Cunhal e Jorge Sampaio.
FILOSOFIA (Manuel Maria Carrilho): "O conceito não passa de uma palavra a funcionar no âmbito de um determindo jogo de linguagem."
FILMES (João Lopes): "A televisão irrompeu no terreno do cinema, disputando-lhe a condição de grande imaginário colectivo."
MEDIA (Francisco Rui Cádima): "São os media que criam os acontecimentos, são eles que regulam a ordem do mundo: uma ordem de restos e simulacros."
ARQUITECTURA (João Vieira Caldas e Paulo Varela Gomes): "Os grandes encomendadores são ignorantes, apáticos ou pouco inteligentes."
Pelo meio, entre outros artigos, pode ler-se um texto interessantíssimo, da responsabilidade de António Guerreiro e Paulo Varela Gomes, com o título "Ideias Feitas", que parte dos conceitos-chave à volta dos quais a década de 80 se desenvolveu: Anos 80 (a expressão em si), Comunicação, Diferença, Ecologia, Fim da História, Fraco (Pensamento), Futuro, Imagem, Liberalismo, Optimismo, Pós e Neo, Saúde, Sucesso, Tecnologia.
E a música? Deixei a secção que diz mais a este blogue para o fim. Os responsáveis pela mesma são João Lisboa e Ricardo Saló, que apresentam o resumo da década através de um jogo intitulado "O Caminho da Glória", cuja estratégia é apresentada pelos dois jornalistas da seguinte forma: "(...) pilhar, sem cerimónia, os procedimentos e objectivos de dois jogos de tabuleiro - "glória" e "trivial pursuit" - e, depois de devidamente desfigurados, ensaiar sobre eles o "plano Frankenstein" de enxerto-e-choque-eléctrico". Podem verificar em pormenor clicando nas imagens e jogar, porque não, com os amigos ou família. Como se fazia nos anos 80.
Este é o último texto do ano, aqui no QA80. Desejo-vos um óptimo 2010 e, porque não, uma década fantástica (ou pelo menos melhor do que a que agora termina).
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