19:20, mais coisa menos coisa, entro no Pavilhão Atlântico. Para quem vem do Porto e quer ficar o mais à frente possível não há tempo a perder. Pavilhão praticamente vazio, não mais de 500 pessoas chegadas às grades junto ao palco. Fico a uns cinco metros da fila da frente, do lado esquerdo do corredor central (há 13 anos, no saudoso Estádio das Antas, fiquei longe do palco). Boa ideia, quando o Dave entrar neste corredor vai dar para ver as tatuagens com mais pormenor. E, quem sabe, levar com alguns pingos do seu suor. O verdadeiro fã aproveita tudo, até o suor. Também vai dar para tirar umas boas fotos.
Os primeiros "furas" tentam fazer jus a esta designação, ou seja, furar a torto-e-a-direito, e lá vão conseguindo face à boa vontade geral, aqui e ali, adornada com um "Oh, pá, é indecente" ou "Eh, pá, desculpa lá, mas por aqui não!". Ao meu lado estão três espanhóis, um deles com um penteado surreal que me abstenho de descrever. Parecem bem dispostos e até aproveitam um maço de Marlboro cheio esquecido no chão. Um cromo semi-bêbedo, de copo de cerveja na mão, tenta furar, passa pelos espanhois e dá de caras com uma paisagem pouco amigável: as minhas costas, que fazem parte de um todo de um metro e oitenta e quatro centímetros. O nosso diálogo é curto, mas proveitoso: "Desculpe, seria possível passar?" "Não." "Não? OK, obrigado". E desaparece. Um dos espanhois sorri para mim e leio nos seus olhos a expressão "És o meu herói".
20:30, alguém me pergunta a que horas começa o concerto. "21:30, pelo menos é o que está no bilhete". Uma hora ainda de espera! E ainda temos de aturar os outros gajos que vêm fazer a primeira parte! Pois é, amigo, são os The Bravery e até têm 3 ou 4 músicas engraçadas. Olha, afinal acabam de entrar. Os The Bravery tocam bem, a voz do vocalista assemelha-se por vezes a uma espécie de "Robert LeBon de segunda apanha" (Robert da parte dos The Cure, LeBon da parte dos Duran Duran). Gostei, mas vamos lá a despachar. Meia-hora em palco e os The Bravery já são história. Gostei do "pullover" do vocalista.
21:30, então, como é, vamos lá começar isto. Uma menina que tem estado estoicamente atrás de mim, bate-me nas costas. "Olhe, desculpe, não dava para se desviar 2 milímetros?" 2 milímetros? Pronto, já está. "É que o senhor é muito alto". Já sabia, obrigado, mas a menos que proíbam as plateias a "maiores de 1,70", vai ter de levar comigo.
21.45, as luzes apagam-se gradualmente, o barulho aumenta vertiginosamente, eles vêm aí. Os Depeche Mode entram em palco! Primeiros flashes dos milhares que vão disparar sobre a banda durante o concerto. A Pain I'm Used To é o início perfeito e conhecido por quem tem estado atento às notícias da digressão. Dave Gahan veste um casaco cinzento que sabemos não ficará por muito tempo no seu corpo. Martin Gore vem de asas negras, mas somos nós que voamos quando ele canta Damaged People e Home, esta última, para mim, um dos momentos da noite. O primeiro momento da noite foi mais atrás, com A Question Of Time, que nos dá a oportunidade de ver Gahan fazer aquele "número" com o tripé do microfone. Este homem é o maior frontman da história da música (afirmação potencialmente polémica, mas que assumo com unhas e dentes). À minha volta, há um lago de saliva feminina (e, quem sabe, alguma masculina). O Dave que nem sonhe em fazer stage-diving, que vai ver o que lhe acontece.
Precious já faz parte das minhas preferidas de sempre, mas ao vivo fica a perder, algo lenta e despida de emoção. É claramente uma grande canção de estúdio, mas que não funciona bem ao vivo. É uma espécie de anti-climax que prepara outro climax, Walking In My Shoes, a música que na minha opinião encerra todas as qualidades do génio de Martin Gore. A letra, a melodia, os efeitos, está lá tudo, na perfeição.
Enjoy The Silence é naturalemente outro dos vários picos do concerto. Praticamente não se ouve a voz de Dave, pois há 20 mil vozes a cantar. Ele também gosta de nos ouvir e aponta-nos o microfone: "All I ever wanted all I ever needed is here in my aaaaaaaaaarms". Lindo. Estamos todos afinadinhos.
Expectativa para a abertura do 1º encore. Rezo aos deuses que Martin se lembre de A Question of Lust, sob pena de eu ter que invadir o palco em protesto. Mas a desilusão cede o lugar à surpresa. Que é isto? Shake The Disease com piano a acompanhar? Fabuloso, maravilhoso, assombroso. Martin Gore consegue deixar toda a gente petrificada perante o momento sublime. A jornalista do Público que escreve o artigo sobre o concerto dirá que esta música foi recebida com "indiferença". Não concordo e permito-me dizer que a jornalista esteve, no mínimo, desatenta.
Shake The Disease abre espaço ao 2º encore, logo após um Just Can Get Enough que faz a viagem mais longa no tempo e põe toda a gente a saltar. A banda abandona o palco, Dave, com cara de poucos amigos, diz algo a Peter Gordino. Parece-me algo sobre o público. Ou então, não. Peter Gordino é a surpresa da noite para mim, não pelo seu trabalho nas teclas, mas pela capacidade vocal que lhe permite fazer segundas vozes de forma irrepreensível. Na bateria, Christian Eigner é competente. Mas um concerto de Depeche Mode não é feito para baterista brilhar.
A banda regressa ao palco, com o pavilhão em delírio ensurdecedor. Never Let Me Down Again abre a conclusão alinhavada para o concerto. Braços no ar, esquerda, direita, esquerda, sem parar. Dave é o instigador. Todos vimos a cena no 101, também queremos fazer. A seguir, Martin Gore vem ao corredor central pela primeira vez. Dave junta-se-lhe e preparam-se para cantar Goodnight Lovers. O público grita, chama. Dave pede silêncio. O momento exige-o. Esta vai ser a última canção do concerto. A banda sairá de palco em apoteose, com a promessa de voltar em Julho. Por momentos o barulho que faz abanar o pavilhão faz hesitar os roadies que se preparam para arrumar as "tralhas". Novo encore? Será? Não, acabou mesmo. As luzes do Atlântico acendem-se. Há sorrisos aqui e ali, olhares exaustos também. A hora é de regresso. O concerto da minha vida? Pelo menos até 28 de Julho...
Sem comentários:
Enviar um comentário