quarta-feira, janeiro 21, 2009

Filhos de Viriato - Maio de 1989 - Entrevista a João Aguardela

Em Maio de 1989, surgia no Porto uma publicação mensal de música moderna portuguesa feita de uma forma totalmente amadora por jovens entusiastas da música. Filhos de Viriato era o nome da publicação, cujo director, Ricardo Alexandre, companheiro de aventuras em concertos dos Xutos por este país fora, é actualmente jornalista da Antena 1. O número zero de Filhos de Viriato, publicado em Maio de 1989, traz uma entrevista a João Aguardela, dos Sitiados, feita algures na Ribeira, na sequência do fabuloso concerto dado pela banda no mítico Luis Armastrondo. É essa entrevista que trago hoje ao Queridos Anos 80. Vinte anos depois.

SITIADOS
“Sentir Português”

Submetidos a um sítio, fixados num tempo, cercados pela acomodação e conformismo. Mas há quem tente forçar a corrente...

Os Sitiados procuram alertar consciências, afirmando-se amantes de um país que sentem, não pela exacerbação de gloriosos feitos passados, mas pela simplicidade e humildade do seu povo, pelo fado, pela beleza das suas paisagens, e acima de tudo, pela felicidade que passa aqui bem perto... “Junto Ao Rio”.


FILHOS DE VIRIATO: Quando surgiu o projecto SITIADOS?
JOÃO AGUARDELA: A ideia surgiu em vésperas do 5º CMM (ndr: Concurso de Música Moderna, organizado anualmente pelo Rock Rendez Vous), ainda que eu, o Zé e o Mário, já tocássemos juntos há quase 4 anos. O projecto surge há cerca de ano e meio, com a entrada do Fernando.

FV: As letras dos SITIADOS, sendo quase exclusivamente da tua autoria, reflectem apenas a tua personalidade, o teu modo de ser e estar na vida, ou por outro lado, são reflexo das ideias dos 4 elementos da banda?
JA: Acho que é difícil filtrar aquilo que eu penso daquilo que é comum a todos. Acho que cada pessoa representa um universo completamente à parte, existindo eventualmente pontos de contacto com outros universos. Não acredito que numa banda todos sintam e pensem o mesmo, seria limitar as pessoas e seria frustrante em termos de trabalho. Não acredito na uniformização, principalmente de ideias. No entanto, tudo o que canto, mesmo algumas letras do Zé, dizem-me directamente respeito, senão acho que não as conseguiria cantar, pelo menos com tanta convicção, que vem precisamente do facto de eu me identificar com aquilo que canto.

FV: Referindo uma expressão de um dos vossos temas, “esta viagem adiada, daqui para outro lugar”, gostaria de saber se os SITIADOS consideram necessário ainda termos de “ir para longe, para muito longe” (como diziam os Xutos!) para se fazer “coisas” interessantes?
JA: A “viagem adiada daqui para outro lugar” tem mais a ver com aquilo que as pessoas sentem, do que com qualquer viagem geográfica. Eu acredito sinceramente que Portugal é dos países mais fascinantes para se viver. Nós ainda não nos fartámos da vida...

“tenho a paixão de viver”

...ainda lutamos, pois sabemos que temos muito para construir. Sei que existe um certo número de coisas que teremos de ir buscar a outro sítio, a outro lugar...

“sinto esta saudade
de não ter ficado
nem de poder ficar”


...mas mesmo nesses casos, acho que o fascínio desta terra, onde podemos deixar ainda a nossa marca, faz com que as pessoas saiam e regressem para construir.

FV: A raiva interior que soltas ao cantar, tornam-te um tanto fatalista – Fado, Negro e Amália... És assim fora do palco?
JA: Não há dúvida que ser fatalista está-nos no sangue, no entanto, é como que um exercício de purificação. Primeiro, o fatalismo, a purificação, e depois, expurgados desse mesmo fatalismo, surge-nos a luta, a revolta, a construção. Isto que te estou a dizer é claro e tu, que conheces bem a nossa música, sabes disso. Ao lado do fatalismo e da solidão, existe sempre revolta e luta, mas nunca a submissão a falsos sentimentos. É pois este sentimento de revolta que pauta a minha conduta no palco e fora dele.

“Este beijo que não soube encantar
E o desejo que sinto queimar
E revolta qie não sabe sofrer
Só não quero morrer”


FV: Revolta por que ideais, por uma MMP (ndr: Música Moderna Portuguesa) que busca desesperadamente um lugar ao sol? Como encaras a actual situação da MMP?
JA: Penso que em termos de futuro as coisas vão bem encaminhadas. Existe toda uma vasta legião de bandas que vêm surgindo nas mais diversas áreas da MMP com uma enorme vontade em aumentar o interesse do público em geral.

FV: Mesmo sem as rádios livres e tudo o que elas representaram?
JA: As rádios livres foram das coisas mais importantes dos últimos anos e uma coisa com tanta importância, que mexe com a vida de todos, não poderia ficar remetida para fora do controle do governo. E está tudo dito!!!

FV: O que pretendem os SITIADOS, influenciar comportamentos, determinar atitudes?
JA: Não, de maneira nenhuma. Nem sequer nos interessa muito propor modelos. O nosso objectivo é pôr as coisas em andamento, alertar as pessoas...

“Esta eterna guerra
Que me obriga a ser
Soldado”


... para que é possível tomar o futuro nas suas próprias mãos, é possível mudar o estado das coisas, e para o facto de que a liberdade de escolha tem de ser algo sempre real, pelo qual se terá de lutar.

“Liberdade onde vais
Liberdade onde cais
Esta luta é por te amar”


João (voz e guitarra), Fernando (bateria), Zé (guitarra) e Mário (baixo), enchem-nos os ouvidos e os olhos com um som “popular português”. Que lutem contra a solidão, que sonhem alto e o futuro lhes pertença. Mas que continuem a ser eles próprios. Que o fado os abençoe.

“Aqui ao lado, ao pé do mar, só o sonho fica, só ele pode ficar”.

Ricardo Alexandre

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